segunda-feira, 30 de maio de 2011

EM ALGUM LUGAR, EM NÓS


De tudo se faz cena. Qualquer palavra, texto, fragmento de texto vira cena. Qualquer objeto, a mera insinuação, ação, transforma-se pelo ator em cena. Teatro é jogo de cena. Transformação.

A estréia da Cia Avuados de Teatro é promissora e nos mostra exatamente isso, a possibilidade da transformação de um texto em cena. De modo simples, mas pungente. Sem adornos, excessos. Apenas a presença dos atores, uma bacia pequena de água, lamparinas improvisadas com latas de leite, arame e velas. Presença precariamente e propositalmente mal iluminada, ressaltando silhuetas, detalhes expressivos, pequenas partes do corpo, formas amorfas. E a voz, sobretudo é a voz que ecoa na semi-escuridão.

A voz vai desfiando fio a fio uma história de medos, ausências, desejos contidos, prazeres perdidos. Uma história que nos chega em espiral através de um texto que segue e retorna, sempre trazendo um dado a mais. Continuum que se repete sempre renovado. Uma voz dividida em três vozes incógnitas saídas da escuridão ou semi-escuridão. Seres que não se mostram em sua totalidade, seres fragmentados, como fragmentada é sua história. Indefinidas personas, como indefinido é o espaço-tempo.

Apenas pequenas pistas: a chuva que cai, trovões, uma janela aberta lá em cima, no quarto da mãe. Mãe-referência: passado/infância. Um homem que passa e o olhar perscruta ao longe, pálida imagem. Aguaceiro, trovejar, prazer e medo. Mas é preciso contar, desfiar os fios, para se manter a voz, a história, os nós. De cada um os nós. De todos nós os nós atados e desatados no escuro de cada qual. Escuro da sala-espaço, escuro do fundo poço que funda a todos, que a todos habita e onde habitam, prontas a emergir, as vozes que nos fundem, nos con-fundem, nos re-fundem. Vozes que vão e retornam sempre, remoendo, remexendo nossas intestinas dores, intestinas paisagens, intestinas memórias.

Sempre no lusco-fusco as vozes. O claro escuro de cada ser, a se mostrar e se esconder e assim, neste jogo velado, revelar-se mesmo que parcialmente, em fragmentos, cacos espelhados, reflexos de latas e velas na sala escura. Reflexos d’almas inquietas na escuridão, a riscar os fósforos acendendo a chama que se apaga porque a cena não para, porque dormir já não se pode, não se pode cuspir. E não adianta lavar, esfregar, porque não larga, a memória esta tatuada na pele, no coração, na alma.

As palavras ressoam, movem e removem. As palavras nos movem. E é a palavra a personagem principal desta en-cenação. Transubstanciada palavra. Transubstanciada cena. Nela a palavra é corpo mais que os corpos. Palavra física que deve tocar o outro que está ali para ver-ouvir-sentir a transubstanciação teatral. Tocados pela palavra vivemos aquelas e a nossa própria história. É pela palavra, mas não qualquer palavra, a palavra transformada em cena, palavra-voz-persona, que nos chega a história, o homem que passa ao longe – vai e volta -, a fuga.

Fuga da voz, fuga de todos os nós. Fuga de algum lugar que habita-nos. E que, por isso, dele jamais podemos nos apartar.

Texto produzido pelo Profo. Msc. Marton Maués (Pesquisador, ator, diretor, professor, Palhaço, Coordenador dos Palhaços Trovadores, Belém/ PA)

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